Como Drummond costumava dizer, "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em
Divinópolis".
É a partir desta leitura da obra de Adélia que adentramos seu universo em montagem inédita da Cia. de Teatro Íntimo que, ao completar seus cinco anos de existência, apresenta uma
série de espetáculos do seu repertório no Espaço II do Solar de Botafogo.
O espetáculo, construído a partir da colagem de poesias de Adélia, tem o frescor, a sutileza e delicadeza da obra da escritora. Desde o início, o público é convidado a observar de perto o quintal onde as atrizes Fernanda Boechat, Bellatrix e Gabriela Haviaras nos apresentam um pouco da grandiosidade da poesia falada. Ao adentrar a pequena sala, onde cabem apenas 25 espectadores, é como se estivéssemos no quintal da sua obra.
Ali presente está o varal com as roupas penduradas, a religiosidade do altar, o banco sob a janela, e é possível espiar pela porta da cozinha aberta, onde o cheiro do bolo vai ativando a memória de nossa própria infância. O cenário, idealizado por Melissa Paro, resolve e aproveita bem o pouco espaço, permitindo um contato mais íntimo do público com as atrizes.
Aos poucos, sentimos a delicadeza, o fogo, a sutileza da poesia misturada ao cio constante encarnado pelas atrizes.
As atuações são leves, sutis, permitindo que a grande estrela da noite seja realmente Adélia. As três atrizes apresentam bom desempenho em cena, integradas ao ambiente e a proposta da direção de Renato Farias de forma econômica e correta.
A iluminação de Paulo César Medeiros, muito bem conceituada, complementa a idéia do quintal, onde se é possível imaginar a luz fraca do lampião, as panelas da cozinha a exalar o cheiro da comida mineira, a conversa na soleira da porta, a gente simples do interior contando seus causos.
O figurino de Thiago Mendonça se converte em parte importante deste universo, dando o tom de leveza necessário. E ali, como meros espectadores, sentimos o encanto e a emoção de se degustar boa poesia. A direção de Renato Farias constrói de forma correta e competente este universo mágico tão presente na poesia. Adélia é uma destas raras escritoras que pauta seu trabalho na observação da vida, do cotidiano, do simples fato de existir. Uma escritora sentada à porta de seu quintal, descascando e comendo laranjas.
O espetáculo termina, o bolo e a cachaça são servidos e ali permanecemos repensando nossos causos, revivendo nossa própria infância de interior. Uma delícia de espetáculo a ser degustado com gente, bolo e cachaça.
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Coluna publicada em 11/2010 - Guia da Semana - Artes e Teatro