Certa vez, escrevi que arte é movimento constante de mudança, uma busca insaciável do novo, de quebras de conceitos e paradigmas. Confesso que a frase foi escrita numa época em que a arte fluía em mim como um ideal romântico, fruto de um tempo de descobertas, onde me permitia experimentar a arte nas suas mais diversas formas e sentidos. Tudo era novo, sensorial, sem amarras, conceitos ou qualquer conhecimento de técnica. Estava na fase inicial de conhecimento, fase de adquirir método, lastro. O "fazer arte" não tinha qualquer lógica, simplesmente experimentava sem medo. E essa falta de método me permitia uma criação mais livre e orgânica, tanto na escrita quanto no palco.
E aí se amadurece, se adquire a técnica. Experimenta os clássicos e se torna menos generoso e mais exigente consigo mesmo. Nada do que fazemos parece atingir um estado pleno de satisfação com o resultado final. São raros os momentos em que olhamos para um trabalho bem executado e dizemos que nos superamos, que atingimos o estado pleno da arte em si.
Os grandes artistas têm uma necessidade de fazer história, de fazer com que seu nome seja lembrado mesmo quando já não estiverem mais por aqui. Comigo não é diferente. Tenho uma sede enorme de me eternizar na arte e talvez o território que eu me sinta mais confortável nesse desejo, mais próximo desta possibilidade, seja na escrita. Depois de ano de intensa busca e experimentação no sentido de existir, encontrei minha verdadeira vocação: ser escritor.
E esta vocação esteve presente desde sempre, só não olhava pra ela com o cuidado, o respeito e a generosidade que só os grandes escritores são capazes. Sempre a tratei como mais uma faceta do artista. Afinal, o que sempre gostei mesmo é de estar no palco, vivendo os personagens escritos por outros escritores. E algo tão especial, algo que me foi dado como um presente que é este dom de compartilhar palavras e imagens, este dom de construir vidas que ficava sempre em segundo plano.
Não é à toa que grande parte da minha produção literária nasceu no momento em que deixei o palco de lado. No momento em que decidi dar um descanso para o ator. E o que parecia ser apenas um ano sabático, se tornou dois, três e lá se foram seis anos até a tentativa de um retorno. Mas neste período de ausência dos palcos, se sobrepôs a faceta do escritor e como tal amadureci muito. A qualidade da escrita cresceu, passei a produzir um universo rico em imagens e palavras que até então apenas passeavam pela minha mente sem encontrarem um destino. E não só os textos ganharam em qualidade, a poesia também cresceu e hoje consigo imprimir verdade e sentimentos onde antes só existiam palavras.
Se meu trabalho um dia será eternizado, eu não sei dizer. Como dizia Shakespeare "existem mais mistérios entre o céu e a terra do que pressupõe a nossa vã filosofia". Creio que ainda estou no início da jornada, num processo de reconhecimento desta verdadeira vocação. Uma tentativa insana de encontrar a verdade suprema e compartilhá-la com o mundo.
Acho que a crise de todo artista se instala no momento em que passa a comparar seu trabalho com os dos demais e que tem medo de não ser capaz de produzir algo com a mesma qualidade ou até superior. Creio que até o Garcia Marquez, o Júlio Cortázar e tantos outros já tenham tido suas dúvidas com relação à qualidade do que produziam. Essa insustentável incerteza é natural dos artistas, mais ainda dos escritores.
Sigo na incerteza da arte, na incerteza da qualidade do trabalho, na incerteza do ator e do escritor. Essa incerteza é que me move, que me permite criar e ter a coragem de compartilhar.
Coluna publicada em 09/2010 - Guia da Semana - Artes e Teatro