De tempos em tempos, algum espetáculo traz algo de novo que nos faz pensar e refletir sobre lugares tão distantes de nossa realidade urbana, mas próximas demais no sentir coletivo. Agreste Malvarosa de Newton Moreno é um destes raros textos que nos brinda com uma poética popular cheia de delicadeza, sentimentos e sensações, possíveis mesmo na aridez do nordeste de que fala. Confesso que fiquei encantado e emocionado com a montagem atualmente em cartaz no Teatro do Jockey, no Rio de Janeiro, e que traz no elenco Millene Ramalho e Rita Elmôr. Um texto que fala de vida tanto quanto fala de morte, expõe situações e pessoas numa simplicidade que vai nos envolvendo, enquanto duas mulheres contam uma fábula, ou seria uma história real? A peça fala sobre a ignorância, o preconceito e o amor incondicional. O nome remete a uma planta chamada Malva Rosa, conhecida no Nordeste por ter poderes para curar os males femininos. A história começa com um flerte no meio da cerca, quando um casal de lavradores descobre o amor. Apesar de perceber que há algo no amor deles que não deveria acontecer, um dia os dois rompem a cerca para viver juntos em um casebre sertão adentro. A direção de Ana Teixeira e Stephane Brodt do AMOK Teatro é precisa e acertada e garante um espetáculo intenso na fala e no gestual proposto. Quase não se percebe as transições de cena, que são feitas de forma sutil, totalmente integrada a concepção criada pelo AMOK. As atrizes Millene Ramalho e Rita Elmôr defendem seus personagens com grande competência e verdade e, com elas, embarcamos na proposta e na fábula contada. Um excelente trabalho de composição de personagem, o qual podemos ver claramente a influência da direção do AMOK. O trabalho corporal apresentado pelas atrizes é cheio de sutilezas no andar e no gesto que o espectador mais atento deve apreciar. A cenografia e figurino concebidos por Stephane Brodt valorizam o espaço, tem concepção inteligente e aproxima o público da cena proposta. A iluminação de Renato Machado busca manter o clima da aridez do sertão e tem papel decisivo e importante em determinados momentos para ilustrar a fábula que nos é contada. A trilha composta e feita ao vivo tem cheiro de terra, de sofrimento e sabor de chão batido. O texto de Newton Moreno tem força e nos mantém atentos ao que está por vir. Uma das cenas mais emocionantes é o momento em que a verdade sobre Etevaldo nos é desvelada, mas que não tem qualquer importância para a viúva, que enxerga apenas seu próprio amor. Enfim, Agreste Malvarosa fala de amor, mas de um jeito que grande parte de nós nunca viveu, fala da nossa própria ignorância frente ao sentido da vida e do preconceito que existe em cada um de nós. Um grande espetáculo para refletir, se divertir e se emocionar.
Coluna publicada em 05/2010 - Guia da Semana - Artes e Teatro