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A Vida nos Quase 40

  • Colunas - Fundo do Baú - Alexandre Pontara
  • 31 de jul. de 2009
  • 3 min de leitura

Junho foi mês de pipoca, quentão, São João, Santo Antônio e mês de aniversário deste colunista. Creio que a proximidade da data me deixa mais sensível e reflexivo em relação à carreira e ao futuro. É momento de aparar arestas e rever alguns planos que foram elaborados em momentos ensolarados e de grande crença num futuro brilhante e de muitas conquistas.

Quando comecei a fazer teatro, no final dos anos 90,tinha uma visão bem diferente deste ofício. Não se tratava apenas de um desejo de seguir uma carreira cheia de sucesso, estampar capas de revista, viver personagens de grande intensidade e tornar-se conhecido como alguém de talento capaz de encarnar qualquer papel. O motivo que me levava a procurar este caminho era bem mais modesto e profundamente ligado à necessidade debotar para fora toda a sorte de sentimentos e sensações que pudessem me esvaziar, pelo menos por algumas horas, de mim mesmo. Havia tanto amor e tanta dor dentro de mim que muitas vezes me perguntava se aquilo era real mesmo, se me pertencia de fato ou se seria um amontoado de sentimentos guardados durante as inúmeras encarnações que havia experimentado. Era demasiado humano para aguentar tamanha profusão de sentimentos seguindo uma vida comum acompanhada de cartão de ponto e horários planejados.

Confesso que, por alguns anos, segui o caminho planejado, mesmo que com um certo toque de rebeldia. Cerquei-me de uma vida cotidiana e corporativa com horários marcados, planejamentos estratégicos e uma certa dose de sucesso, mas que me causava uma sensação de vazio, de inadequação àquele universo proposto. O único lugar onde encontrei respostas às minhas angústias e questionamentos foi na arte, talvez por ser um caminho mais lúdico do que racional, mais focado no ser do que ter.

Não é segredo para ninguém que ser artista no Brasil é uma tarefa árdua e, por muitas vezes, hercúlea. Para a maioria das pessoas que decide seguir esta carreira, mais cheia de baixos do que altos, o fim nunca é o esperado, o desejado. As oportunidades são poucas e concentradas num pequeno grupo que tem a felicidade de engatar uma carreira promissora e feliz. O restante da classe batalha de forma dura e, por muitas vezes, nobre para levar ao público um pouco da sua contribuição a um ofício tão mágico quanto ilusório.

Um grande amigo e diretor costuma dizer que a carreira de ator é composta de 80% de sorte; sorte de estar no lugar certo, na hora certa com a pessoa certa. Se o ator dispõe de menos do que isso, é melhor procurar outra carreira para seguir, onde o risco de frustração será menor. Será? A opção por outra carreira não seria o mesmo que atestar o fracasso e seguir pelos próximos anos com o sentimento de frustração estampado em seu rosto todos os dias?

Para o verdadeiro artista, arte é tão importante quanto o ar que ele respira. Não é algo que simplesmente acontece no decorrer da sua vida. Eu acredito que o artista já nasce sendo um. E os primeiros sinais já podem ser sentidos na infância, no desenvolvimento artístico e na habilidade para enxergar o mundo de uma outra forma. É fato que muitos preferem sufocar essa habilidade ou simplesmente aplicá-la numa outra carreira, talvez por acreditar que o caminho seja muito complicado e sem garantia alguma de sucesso. Mas o que aprendi com esses anos foi que os outros caminhos são tão complicados como este. Exigem doses de crença nas suas habilidades, força de vontade, trabalho e muita sorte. Afinal, tornar-se um ator de grande expressão na mídia não é diferente de ser o presidente de uma empresa. Exige, sim, muito de você e de suas qualificações e, principalmente, de carisma. O carisma é o grande diferencial que, se bem utilizado, poderá garantir seu lugar entre os grandes. Ao passo que envelheço e me aproximo dos 40, percebo que ainda estou no começo desta caminhada e que tem muita água para rolar ainda. A diferença está no agora e na forma de ver a vida sem grandes expectativas ou ilusões. A carreira de ator é algo concreto neste momento e que poderia ter acontecido antes, mas não aconteceu.

Precisei seguir pelos outros caminhos até ter certeza de que eles não serviam para mim. Hoje, a decisão vem com uma grande dose de coragem, de mudar algo sólido, racional, por algo lúdico, incerto e, talvez por isso, a grande viagem que esperava da vida.

Coluna publicada em 07/2009 - Guia da Semana - Artes e Teatro

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Bio

Alexandre Pontara, ou apenasumalexandre como ele costuma assinar, é artista visual, escritor multiplataforma, poeta, ator, diretor teatral e mais um bocado de outras coisas.

Em 2020, em meio a pandemia do coronavírus, assina o roteiro do espetáculo online "Desafio Hitchcock", um formato inovador em linguagem, único no mundo, idealizado pelo diretor André Warwar. Nesse espetáculo, com cortes ao vivo e linguagem que transita pelo teatro, cinema, tv e reality, 7 atores em cena, cada um em sua casa, atuam e transmitem, em tempo real, suas imagens para o diretor, que corta e monta ao vivo. O público tem a ilusão e certeza de que estão todos num mesmo ambiente. Uma experiência imersiva, ao vivo, em tempo real.

Também, em 2020, assina o projeto visual "Entre 4 Paredes", onde através de estímulos fotográficos de artistas e amigos em seu isolamento social, cria releituras em arte visual, com uma potência artística e linkada aos temas contemporâneos. O projeto se transformou em uma exposição na Linha de Cultura do Metrô SP em 2021.

Entre 2018 e 2020, lançou o manifesto transmídia Poética em Transe, em que artistas das mais variadas vertentes dão voz a contemporaneidade da sua poesia e dialogam com os incômodos de uma sociedade midiática. Foi um dos produtores da 1ª edição do Festival Audiovisual FICA.VC, em 2017 no Rio de Janeiro. Entre 2008 e 2011, foi crítico teatral do Guia da Semana.

Como diretor teatral, o foco de sua pesquisa está no trabalho investigativo sobre a interferência da linguagem audiovisual no espaço cênico.

A Cidade das Mariposas, encenada em 2011, marca sua estreia como dramaturgo e diretor teatral. Em 2013, adaptou e dirigiu Fausto Zero de Goethe e assinou a Direção Artística da Ocupação Primus Arte Movimento do Teatro Glauce Rocha no Rio de Janeiro.

Além de Cidade das Mariposas, é autor dos textos teatrais O Mastim, Doze Horas para o Fim do Mundo, O Processo Blake, Entre Irmãos, As Últimas Horas e Man Machine 2.0, das antologias poéticas “Poemas Mundanos”, “Poesia Urbana” e “Sombras” e do roteiro de cinema “Doze horas para o Fim do Mundo”.

Alexandre Pontara

Artista visual, ator, diretor, poeta de mídias interativas, escritor multiplataforma e uma mente digital.

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