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O Relógio do Paulo Autran

  • Colunas - Fundo do Baú - Alexandre Pontara
  • 26 de dez. de 2008
  • 3 min de leitura

Desde a estréia da minha coluna no Guia da Semana, tenho me concentrado em fazer boas críticas dos espetáculos que assisti e que, de alguma forma, contribuíram para a formação do pensamento ou despertaram algum tipo de verdade interna. Sobre as peças ruins ou as que não despertaram nenhuma paixão, preferi me abster, ou como diz um grande amigo: "Não posso falar o que eu penso, eu faço cabala!"

Confesso que 2008 foi um ano limitado em propostas inovadoras no teatro carioca. Pouco se fez pelo enobrecimento da arte de atuar. Boa parte dos espetáculos que estiveram em cartaz na cidade primou pela falta de estilo, conceito e muita mesmice. Em alguns espetáculos o constrangimento era perceptível por meio dos aplausos tímidos da platéia. Nessas horas, percebemos que até os grandes diretores com histórico de sucesso e boas montagens, podem errar a mão de vez em quando e produzir verdadeiros equívocos no palco.

Mas nem tudo foi perdido no ano. Tivemos bons espetáculos em cartaz como Traição, A Forma das Coisas, Gota D´água, Mamãe Não Pode Saber e o insuperável Ensina-me a Viver. Peças de qualidade, com boa dramaturgia, cenário, conceito e, principalmente, direção.

Montagens que deveriam servir de referência para quem pretende produzir em 2009.

A essa altura, o leitor deve estar se perguntando o que o título desta coluna tem a ver com esta análise. Bom, preciso contar uma historinha. Um grande amigo arrematou num leilão em São Paulo, um carrilhão pertencente ao espólio de Paulo Autran. Uma bela peça com as máscaras do teatro. Como todo bom ator (e canceriano), tenho um certo apego a histórias e me apego a objetos que tenham algum significado. Ao me deparar com aquele objeto, fiquei estarrecido e comovido. Afinal, era uma parte importante da vida de um dos maiores atores brasileiros, que contribuiu muito para a arte e inspirou gerações de atores. Fiquei imaginando o que aquele pedaço de madeira poderia ter significado, quais as experiências que trazia consigo, que imagens e pessoas teria visto ou quais leituras de texto e estudos do ator ele teria presenciado.

No meu devaneio, podia visualizar o ator estudando seu texto, lendo seus livros numa bela cadeira de balanço, fumando um cigarro enquanto o relógio o embalava com seu tic-tac numa cantiga ininterrupta. O relógio me remetia ao tempo em que o teatro tinha uma representatividade grande na vida do artista, um tempo em que o palco era um espaço quase sacerdotal, sagrado e profano. Um tempo em que o público sentia prazer em ir ao teatro, ver grandes espetáculos, o tempo em que a dramaturgia tinha consistência e podíamos dizer que aquele espetáculo era teatro de verdade.

Com a partida de Paulo Autran, aquele relógio perdera seu espaço, seu lugar, fora demovido de seu templo e sabe-se lá qual será seu destino. Provavelmente, acabará em algum antiquário, ou na sala de algum colecionador. O relógio já não verá mais as leituras de texto, não sentirá o cheiro do cigarro, nem acompanhará mais as conversas do ator com outros artistas. O relógio marcará o início de um novo tempo para si.

Por fim, aqueles minutos que passei admirando a peça, fizeram com que eu refletisse sobre o próprio teatro e os caminhos e oportunidades que tenho buscado como ator.

Repensei atitudes e conceitos e o verdadeiro motivo de ser artista. O relógio de Paulo Autran me serviu como um alerta para o que temos feito de bom e ruim para as artes. Me veio a sensação de que uma era de grandes atores e diretores está chegando ao fim, e que não há o preparo de uma nova geração para ocupar este espaço. A sociedade está tão voltada para outras formas de comunicação e mídia, que o teatro parece ter sido renegado ao segundo plano. Será o destino do teatro o mesmo do relógio?

Sinceramente, espero que não... Que 2009 seja um ano de renascimento, de inovação, com boas propostas teatrais, com espetáculos bem construídos e novos nomes em cena, que nos tragam a esperança de que a arte está se revitalizando e se preparando para um novo tempo.

Que novos Autrans, Brittos, Montenegros, Chagas, Ferreiras, Menezes e Beckers venham com ele.

Coluna publicada em 12/2008 - Guia da Semana - Artes e Teatro

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Bio

Alexandre Pontara, ou apenasumalexandre como ele costuma assinar, é artista visual, escritor multiplataforma, poeta, ator, diretor teatral e mais um bocado de outras coisas.

Em 2020, em meio a pandemia do coronavírus, assina o roteiro do espetáculo online "Desafio Hitchcock", um formato inovador em linguagem, único no mundo, idealizado pelo diretor André Warwar. Nesse espetáculo, com cortes ao vivo e linguagem que transita pelo teatro, cinema, tv e reality, 7 atores em cena, cada um em sua casa, atuam e transmitem, em tempo real, suas imagens para o diretor, que corta e monta ao vivo. O público tem a ilusão e certeza de que estão todos num mesmo ambiente. Uma experiência imersiva, ao vivo, em tempo real.

Também, em 2020, assina o projeto visual "Entre 4 Paredes", onde através de estímulos fotográficos de artistas e amigos em seu isolamento social, cria releituras em arte visual, com uma potência artística e linkada aos temas contemporâneos. O projeto se transformou em uma exposição na Linha de Cultura do Metrô SP em 2021.

Entre 2018 e 2020, lançou o manifesto transmídia Poética em Transe, em que artistas das mais variadas vertentes dão voz a contemporaneidade da sua poesia e dialogam com os incômodos de uma sociedade midiática. Foi um dos produtores da 1ª edição do Festival Audiovisual FICA.VC, em 2017 no Rio de Janeiro. Entre 2008 e 2011, foi crítico teatral do Guia da Semana.

Como diretor teatral, o foco de sua pesquisa está no trabalho investigativo sobre a interferência da linguagem audiovisual no espaço cênico.

A Cidade das Mariposas, encenada em 2011, marca sua estreia como dramaturgo e diretor teatral. Em 2013, adaptou e dirigiu Fausto Zero de Goethe e assinou a Direção Artística da Ocupação Primus Arte Movimento do Teatro Glauce Rocha no Rio de Janeiro.

Além de Cidade das Mariposas, é autor dos textos teatrais O Mastim, Doze Horas para o Fim do Mundo, O Processo Blake, Entre Irmãos, As Últimas Horas e Man Machine 2.0, das antologias poéticas “Poemas Mundanos”, “Poesia Urbana” e “Sombras” e do roteiro de cinema “Doze horas para o Fim do Mundo”.

Alexandre Pontara

Artista visual, ator, diretor, poeta de mídias interativas, escritor multiplataforma e uma mente digital.

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