Qual o sentido de estar vivo quando se nasce com a sensação de estar quase morto? Qual o sentido de se apaixonar pela vida quando se tem apenas a certeza da morte? Existem diferenças entre obsessão e paixão? E qual o limite ou a linha que separa uma da outra?
Ensina-me a Viver, em cartaz no Teatro Leblon, discute as relações humanas e os limites estabelecidos pelo próprio sentido da existência, e o caminho que escolhemos, seja ele traçado pela vida ou pela própria consciência da morte. A lição presente na genialidade do texto de Colin Higgins é de que se você obedece todas as regras, acaba perdendo a diversão.
A improvável história de amor entre Harold, um senhor de quase vinte anos, obcecado pela morte e Maude, uma jovem de quase oitenta anos, apaixonada pela vida é a força motora para a discussão da forma como nos relacionamos com a vida e com a idéia de morte. Sensível, inteligente e rico, Harold não conheceu o pai e vive com a mãe indiferente e autoritária.
A quase octogenária Maude vive em um teatro, rodeada por margaridas e passarinhos e aproveita cada segundo de sua existência como se fosse o último. Quando se encontram, a sintonia é imediata. Maude, cheia de alegria e positividade ensina a Harold os prazeres da vida e da liberdade.
A concepção belíssima, idealizada por João Falcão, nos remete a sensação de que a vida é quase sonho pelos olhos de Maude, num passeio fascinante pelo lúdico, em contraponto à sensação de semi-vida cotidiana, em preto e branco, de Harold e sua mãe.
Ensina-me a Viver fala de descobertas e da viagem maravilhosa que pode ser a vida, principalmente para aqueles que nascem quase mortos. A montagem de João Falcão utiliza-se de elementos circenses e de uma estrutura narrativa dinâmica que nos permite embarcar na idéia do sonho, do realismo fantástico. Não é raro ver este tipo de estética, muito presente no cinema, em filmes do diretor Tim Burton como “Edward Mãos de Tesoura” e “Peixe Grande”.
O cenário de Sérgio Marimba é uma atração à parte. Com móveis, objetos, esculturas em ferro e tapadeiras em preto que se movem e transformam o próprio ambiente, se fundem a ação do espetáculo, nos dando a sensação da cortina que se abre no circo, à todo momento, para que um novo número aconteça. É possível imaginar o palco como um grande picadeiro, onde João Falcão é o grande apresentador. Em determinado momento, uma Maude sentada num balanço, nos traz a referência da trapezista que aguarda o momento de brilhar O efeito das projeções em cena, um recurso muito utilizado no teatro nos últimos tempos, tem o efeito esperado e servem como suporte para a concepção.
As atuações são surpreendentes. Glória Menezes, em excelente atuação, constrói uma Maude cheia de vigor, paixão pela vida e pouco convencional. Arlindo Lopes cria um Harold cativante e engraçado. A química entre os dois é fantástica e, garante a poesia do espetáculo.
Ilana Kaplan, atriz e comediante da primeira formação do Terça Insana, está memorável em cena como mãe de Harold. Com tempo certo de comédia, dá brilho e cor ao personagem, garantindo o riso e bons momentos do espetáculo.
Fernanda de Freitas e Augusto Madeira surpreendem por sua versatilidade, em atuações consistentes e divertidas.
A iluminação de Renato Machado é outro ponto forte de “Ensina-me a Viver”, dando o toque certo a atmosfera lúdica idealizada. A trilha sonora de Rodrigo Pena contribui com acerto.
“Ensina-me a Viver” longe de ser, apenas, um espetáculo belíssimo ou uma boa história contada pelas mãos de um grande diretor, é um espetáculo que nos faz pensar sobre a beleza da vida e sobre as regras que impomos a forma de viver. Ao final do espetáculo, não é raro, que o espectador saia do teatro com a sensação de plenitude, em estado pleno de graça, de não ter visto apenas teatro, mas poesia.
Um espetáculo emocionante e indispensável e, definitivamente, o melhor de 2008.
Coluna publicada em 11/2008 - Guia da Semana - Artes e Teatro