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A Vingança da Medéia Brasileira

Gota D´água, adaptado a partir de Medéia de Eurípides, é considerado um dos grandes clássicos do teatro brasileiro e um dos mais populares, frequentemente encenado por grupos teatrais do Oiapoque ao Chuí.. Escrito em 1975, por Chico Buarque e Paulo Pontes, Gota D’Água foi levado aos palcos pela primeira vez na histórica montagem de Bibi Ferreira dirigida por Gianni Ratto. Inúmeras outras se sucederam a este marco no teatro, com destaque para as montagens de Gabriel Villela de 2001 e de Heron Coelho e Georgette Fadel em 2007, com o qual Georgette foi agraciada com o Prêmio Shell Paulistano de Melhor Atriz.

No texto de Chico Buarque e Paulo Pontes, Medéia se transforma em Joana, mulher do povo e moradora de um conjunto residencial chamado Vila do Meio-dia, abandonada por Jasão, sambista que faz sucesso no rádio com a música “Gota d’água”. O rei Creonte torna-se o dono deste conjunto onde moram os personagens. Corina, amiga e confidente, é a representação da ama de Medéia. Por fim, o coro da tragédia grega é substituído pelos vizinhos de Joana.

Assim como a tragédia de Medéia, a tragédia de Joana é bem conhecida do grande público, e talvez o maior desafio seja tentar inovar algo que já foi constantemente reformulado e inovado por tanta gente.

A montagem, em cartaz no Centro Cultural Veneza, dirigida por João Fonseca e estrelada por Izabella Bicalho, embora respeite a estrutura do texto original traz certo ar de renovação agregando novos elementos em sua concepção. Às canções originalmente concebidas para o espetáculo, juntam-se "O que Será (À Flor da Pele)" e "Partido Alto".

Desde sua estréia em 2007, o espetáculo cumpriu temporadas no Rio e em São Paulo, com grande sucesso de público e crítica na capital fluminense. Teve duas indicações ao Prêmio Shell carioca - melhor ator, para Thelmo Fernandes e música, para Roberto Burguel.

A direção de João Fonseca, embora atual, transpõe para o palco com acerto algumas marcas típicas e referenciais do coro grego. A protagonista Joana, interpretada com força e garra por Izabella Bicalho, é o grande destaque do espetáculo, arrancando aplausos em cena aberta após cada cena interpretada por ela. Dona de uma voz poderosa e presença cênica marcante, Izabella dá vida a uma Joana traída, amargurada e vingativa que se utiliza do poder dos santos para consumar sua tragédia e vingança. Thelmo Fernandes, no papel de Creonte, imprime todo seu talento e experiência como ator, sendo responsável por alguns dos melhores momentos do espetáculo. Luca de Castro, em ótima atuação, interpreta um Mestre Egeu anárquico, ao mesmo tempo sábio e rei da Vila do Meio-dia. Os demais atores ganham mais em conjunto do que em cenas isoladas.

O cenário idealizado por Nello Marrese e, originalmente criado para palcos maiores, sofreu uma mutilação pela limitação do espaço no Centro Cultural Veneza. O altar com todos os santos, momento-chave da vingança de Joana e um dos pontos altos do espetáculo, foi abolido. Permanecem em cena os praticáveis tão bem idealizados e construídos de forma a dar movimento e ação ao ambiente. A iluminação de Luiz Paulo Nenem contribui e minimiza a perda de parte do cenário e cria a atmosfera adequada para embarcamos na voz de Izabella e nas canções de Chico Buarque.

O espetáculo criado por João Fonseca tem vigor, as marcações são primorosas e precisas e a voz de Izabella de tirar o fôlego. Um belo e empolgante espetáculo feito para emocionar.

Coluna publicada em 09/2008 - Guia da Semana - Artes e Teatro

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