O que de início poderia parecer apenas mais uma comédia besteirol das inúmeras que povoam a cena carioca, nas mãos de João Falcão tem inteligência e engenhosidade na construção de um texto recheado de referências atuais. Quem está acostumado à dramaturgia do pernambucano sabe que João Falcão é um dos poucos autores contemporâneos que consegue dar rapidez, agilidade e coerência a situações que poderiam parecer absurdas, mas extremamente verossímeis nos dias de hoje.
Escrita em 1993, no Recife, e apresentada no Rio em 2002, com grande sucesso, “Mamãe não pode saber” conta a história de uma família esquisita e decadente, que enxerga na matriarca a possibilidade de salvação para todos os problemas. O encontro do grupo com João Falcão não poderia ser mais propício a criação de uma montagem onde 05 atores se desdobram em 12 personagens, num verdadeiro vaudeville de situações burlescas. Este é o grande trunfo do espetáculo que discute de forma jocosa temas como política, padrões de estética e modismos.
O espetáculo é um acúmulo de surpresas e garantia de riso fácil desde a primeira cena. O texto de João Falcão casa bem com o estilo de comédia dos surtados.
Wendel Bendelack está ótimo no papel de Priscila, uma aspirante a modelo compulsiva por comida e doces como a curiosa torta de farinha láctea com cobertura de marshmallow. Wendel se divide também no papel do adolescente Juninho que a cada cena se rende a um novo modismo adolescente, seja o heavy-metal ou a onda EMO.
Nesta remontagem coube a Thaís Lopes interpretar a empregada, o qual defende de forma correta, considerando tratar-se do personagem menos engraçado da trama. Flávia Guedes e o estreante Leonardo Miranda também garantem bom momentos de riso e diversão em seus personagens. Flávia está muito bem no papel da atrapalhada socialite cujo objetivo de vida é o de enganar a mamãe do título e garantir os recursos para resolver o problema das dívidas da família.
A grande estrela do espetáculo é, sem dúvida, Rodrigo Fagundes, no papel de Júlia, a impagável amiga gordinha, daltônica e invejosa de Priscila. Rodrigo - mais conhecido da TV por seu personagem Patrick do Zorra Total - cria uma Júlia rica em personalidade e que causa grande simpatia por parte do público. Dos personagens criados por João Falcão, talvez, Júlia, Priscila e Juninho sejam aqueles que o público venha mais a se identificar, visto que todos, em algum momento de suas vidas, já tenham conhecido um Juninho, uma Priscila e principalmente, uma Júlia, aquela amiga sempre presente e à sombra da mais bonita e popular.
Um dos encantos do espetáculo reside na troca rápida de roupas e personagens da trupe. Um entra-e-sai alucinante num cenário simples e de impacto, assinado por Sérgio Marimba que valoriza ainda mais o trabalho dos atores. Os figurinos idealizados por Helena Araújo e Djalma Brilhante são decisivos para a criação do Vaudeville, apresentando cores quase tão fortes quanto os apresentados nos melhores filmes de Almodóvar. A direção de João Falcão como sempre está precisa, garantindo o tempo certo de comédia, misturando elementos do teatro do absurdo na própria marcação da cena.
Em tempos de escassez de novas comédias, uma remontagem como a proposta por João Falcão traz um certo vigor para uma cena teatral carente de novas propostas. Ainda uma das melhores opções de 2008. Um espetáculo para ser visto junto com a mamãe e a família toda.
Coluna publicada em 08/2008 - Guia da Semana - Artes e Teatro