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Cachorro!

  • Crítica - Fundo do Baú - Alexandre Pontara
  • 25 de jul. de 2008
  • 2 min de leitura

É fato que grande parte dos atores, diretores e qualquer pessoa que tenha o mínimo de interesse pelo universo teatral já tenha tido contato com a obra de Nelson Rodrigues e, por conseqüência, se apaixonado por ela. O fato é que a obra de Nelson tem traços deliciosos de uma realidade suburbana que mistura e transita universos distintos que se iniciam nas residências das classes abastadas, passeiam pela classe média e encontram sua razão de ser no subúrbio e na malandragem carioca.

Do meu ponto de vista, esse respeito e atração que Nelson exerce sobre todos nós, em boa parte, é causado por uma dramaturgia rica em referências cotidianas muito próximas de nossa realidade. Suas obras são recheadas de desejos escondidos, vidas frustradas, ausência de escrúpulos e muita tragédia. A obra de Nelson nos traz uma certeza: a tragédia a que seus personagens são submetidos é o único caminho para a libertação. A redenção só pode ser alcançada se nos aventurarmos pelos caminhos da traição e do desejo. É essa atualidade de situações que tornam seus textos tão contemporâneos.

CACHORRO! de Jô Bilac se propõe a homenagear este universo. “Livremente” inspirado na obra do “Anjo Pornográfico”, o processo de criação do texto partiu de uma adaptação do terceiro quadro do longa-metragem “Traição”, escrito por Patrícia Mello e que leva o nome de Cachorro!.

O espetáculo narra a trajetória de um triângulo amoroso composto por Solange (Carolina Pismel), o marido Apoprígio (Paulo Verlings) e o amante Almeidinha (Felipe Abib), O amor proibido entre Almeidinha e Solange é o fio condutor da história rodriguiana escrita por Jô Bilac e dirigida por Vinícius Arneiro, o qual lhe rendeu a indicação ao Prêmio Shell de Melhor direção – 2007.

O texto de Jô Bilac garante bons momentos do espetáculo com frases certeiras como “O nosso amor não toma sol...” dita por Almeidinha a Solange que, de forma concisa, resume com beleza poética, o amor vivido na clandestinidade. A qualidade dos textos de Jô Bilac vem evoluindo gradativamente; autor de profusão criativa, está se consolidando como uma das grandes promessas da dramaturgia carioca.

O trio de atores, apesar de ainda jovens, tem talento e o emprestam com visceralidade aos seus personagens, com destaque para Felipe Abib, em ótima atuação, encarnando o amante que age como se fosse o marido traído. A discussão desta inversão de valores é um dos pontos fortes do espetáculo. Aquele que trai é o que se sente traído.

O cenário, assinado por Daniele Geammal, se concentra no uso de luminárias e praticáveis transparentes que em sintonia com a luz de Paulo César Medeiros nos remetem à sensação de clandestinidade, da mutablidade dos sentimentos vivenciados à margem da sociedade. O que está na sombra pode vir à luz. Por fim, o subúrbio carioca está bem representado nos figurinos idealizados por Júlia Marini e na direção precisa de Vinícius Arneiro.

Mais do que apenas uma homenagem ao universo rodrigueano, o espetáculo se propõe a desvendar um cotidiano de falsas aparências, onde é fácil se corromper pelo próprio desejo. Nada de tão novo mas, ainda assim, um grande espetáculo.

Coluna publicada em 07/2008 - Guia da Semana - Artes e Teatro

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Bio

Alexandre Pontara, ou apenasumalexandre como ele costuma assinar, é artista visual, escritor multiplataforma, poeta, ator, diretor teatral e mais um bocado de outras coisas.

Em 2020, em meio a pandemia do coronavírus, assina o roteiro do espetáculo online "Desafio Hitchcock", um formato inovador em linguagem, único no mundo, idealizado pelo diretor André Warwar. Nesse espetáculo, com cortes ao vivo e linguagem que transita pelo teatro, cinema, tv e reality, 7 atores em cena, cada um em sua casa, atuam e transmitem, em tempo real, suas imagens para o diretor, que corta e monta ao vivo. O público tem a ilusão e certeza de que estão todos num mesmo ambiente. Uma experiência imersiva, ao vivo, em tempo real.

Também, em 2020, assina o projeto visual "Entre 4 Paredes", onde através de estímulos fotográficos de artistas e amigos em seu isolamento social, cria releituras em arte visual, com uma potência artística e linkada aos temas contemporâneos. O projeto se transformou em uma exposição na Linha de Cultura do Metrô SP em 2021.

Entre 2018 e 2020, lançou o manifesto transmídia Poética em Transe, em que artistas das mais variadas vertentes dão voz a contemporaneidade da sua poesia e dialogam com os incômodos de uma sociedade midiática. Foi um dos produtores da 1ª edição do Festival Audiovisual FICA.VC, em 2017 no Rio de Janeiro. Entre 2008 e 2011, foi crítico teatral do Guia da Semana.

Como diretor teatral, o foco de sua pesquisa está no trabalho investigativo sobre a interferência da linguagem audiovisual no espaço cênico.

A Cidade das Mariposas, encenada em 2011, marca sua estreia como dramaturgo e diretor teatral. Em 2013, adaptou e dirigiu Fausto Zero de Goethe e assinou a Direção Artística da Ocupação Primus Arte Movimento do Teatro Glauce Rocha no Rio de Janeiro.

Além de Cidade das Mariposas, é autor dos textos teatrais O Mastim, Doze Horas para o Fim do Mundo, O Processo Blake, Entre Irmãos, As Últimas Horas e Man Machine 2.0, das antologias poéticas “Poemas Mundanos”, “Poesia Urbana” e “Sombras” e do roteiro de cinema “Doze horas para o Fim do Mundo”.

Alexandre Pontara

Artista visual, ator, diretor, poeta de mídias interativas, escritor multiplataforma e uma mente digital.

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